Para melhorar o ecossistema de informação, é preciso reconstruir confiança e focar em iniciativas locais e voltadas para as comunidades

Barbara Paes

No dia 26 de outubro, nos reunimos on-line com mais de 20 representantes de organizações, ativistas e jornalistas de 9 países da América Latina. Nos inspiramos ao ouvir as palestrantes Nathaly Espitia e Maria Juliana, do Colectivo Noís Radio, Júlia Rocha, da Artigo 19, e Ramiro Alvarez Ugarte, do CELE, bem como os participantes da chamada, que se juntaram a nós em uma discussão aberta sobre os desafios que estamos enfrentando no ecossistema de informação na região e as oportunidades que vemos para agir. Neste texto, compartilhamos algumas das principais conclusões da nossa conversa. 

Um ecossistema de informações saudável é aquele em que as pessoas são capazes de ouvir e conversar umas com as outras

Nossa conversa começou com os aprendizados de Maria Juliana e Nathaly Espitia da Noís Radio, um coletivo de Cali (Colômbia) que trabalha desde 2009 na produção de programas de rádio ao vivo usando vozes, música, sons ao vivo e ações performativas. Eas compartilharam que não se veem como uma estação de rádio “tradicional”, mas sim como um “medio de conversación” (ou meio de conversação) que cria espaços para conversar e ouvir, e não apenas para o compartilhamento unilateral de informações. 

Para Noís Radio, a chave para um ecossistema de informação saudável é que as pessoas possam ouvir e conversar umas com as outras. Essa abordagem foi repetida por outros participantes da chamada: para Ramiro Ugarte, do CELE, é importante que pensemos em como gerar mais diálogo e conversas, porque a criação de espaços onde as pessoas possam dialogar e se conectar cara a cara é fundamental para combater a polarização e obter um ecossistema de informações mais saudável.

Criar confiança é um processo de combustão lenta (mas vale a pena!)

Durante a chamada, conversamos sobre alguns dos fatores que servem de pano de fundo para o nosso sistema de informações quebrado: a região está passando por um período de grande falta de confiança na mídia e nas instituições, há uma polarização política aguda em vários países e os cidadãos estão insatisfeitos com os sistemas políticos e estão sofrendo com a sobrecarga de informação. 

Para responder a esse cenário, muitos participantes falaram sobre o valor de criar iniciativas de informação que incluam processos projetados para reconstruir a confiança das pessoas em nossas comunidades. Por exemplo, em seu trabalho, a Noís Rádio não aborda as comunidades com um projeto fixo e previamente definido – em vez disso, o coletivo convida as pessoas a se juntarem a elas em conversas e compartilharem suas necessidades, depois trabalham para estabelecer relações de confiança e “passam o microfone para as pessoas em suas comunidades”. Durante a greve nacional na Colômbia, em 2021, por exemplo, a Noís Rádio estava em Cali gravando programas a partir de “puntos de resistencia” (pontos de resistência) com organizações sociais, jovens, artistas, mães e outros manifestantes que confiaram em seus microfones e compartilharam suas vozes. (Você pode ouvir os programas aqui!).

Ao falarem sobre sua experiência, Nathaly e Maria Juliana compartilharam que, embora o processo de construção de confiança possa ser lento, ele se mostrou ser essencial, porque oferece uma base importante quando você precisa se organizar durante um momento de crise. O fato de já terem construído confiança com as pessoas em suas comunidades ao longo do tempo e de terem envolvido pessoas de forma significativa em seu trabalho no passado fez com que a Noís Rádio conseguisse se mobilizar rapidamente em um contexto político difícil, gerando conversas importantes em suas comunidades.

O valor das iniciativas de informação locais e a promoção de um senso de comunidade

A noção de que esforços liderados pelas comunidades locais são fundamentais para um ecossistema de informação mais sólido na região foi reforçada por Júlia Rocha, que lidera a equipe de Acesso à Informação e Transparência da Artigo 19 no Brasil. Em sua perspectiva, “as soluções locais são as que mais funcionam”. Em uma região em que a noção de informação de interesse público tem sido frequentemente moldada por interesses corporativos, como disse Júlia, é indispensável investir em comunicações locais, independentes e lideradas pela comunidade. Desde 2020, sua organização vem apoiando o trabalho de iniciativas de comunicação popular em todo o país com a campanha #CompartilheInformação, que concedeu subsídios a grupos que fornecem informações confiáveis sobre saúde, democracia e eleições e, em breve, sobre o meio ambiente.

As organizações brasileiras de jornalismo Agência Mural e Énois (que também se juntaram à nossa chamada!) também estão mostrando como as iniciativas locais podem ser valiosas para o ecossistema de informação. Vendo como as pessoas carecem de acesso à informação em um nível local e urbano, elas argumentam que é preciso haver mais apoio ao desenvolvimento de iniciativas locais que contribuam para reduzir os desertos de notícias, para fornecer aos cidadãos as informações de que precisam para “participar da vida pública a partir do território onde vivem”. Como Izabela Moi e Nina Weingrill colocam: “a cobertura local de qualidade cria e mantém o sentimento de pertencer a uma comunidade e abre espaços para a ação e a participação dos cidadãos”.

Vemos isso também no trabalho da Noís Rádio, em seu trabalho para capacitar vozes mais independentes no ecossistema de informação. Em nossa conversa, Nathaly e Maria Juliana falaram sobre a importância de criar iniciativas que vão além das capitais, bem como sobre a importância de apoiar o trabalho das comunidades indígenas, afro-colombianas e migrantes. 

Durante a chamada, também ouvimos da Agencia Baudó, na Colômbia, que está fazendo “jornalismo que conecta comunidades”, trabalhando com contadores de histórias comunitários que não são apenas fornecedores de informações, mas também líderes locais que trabalham em suas comunidades para a transformação social. Outro exemplo compartilhado é o trabalho da +COMUNIDAD, um “meio de jornalismo de soluções” argentino que investiga, encontra e conta histórias de pessoas e cidades, resolvendo seus desafios e inspirando outros a se transformarem.

Participantes da chamada também falaram sobre a importância de contrabalançar a falta de dados “oficiais” sobre determinados tópicos, especialmente em regiões que não têm acesso a informações sobre questões como saúde e direitos sexuais e reprodutivos ou meio ambiente, com a produção de dados ou iniciativas voltadas para a comunidade que democratizem o acesso à informação. Para isso, falamos sobre iniciativas como o mapa da Artigo 19 feito para que as mulheres brasileiras saibam onde acessar o atendimento ao aborto em seus estados – informações que antes não estavam disponíveis.

Combate às tendências prejudiciais em nível regional e mais apoio para alianças sustentáveis e de longo prazo

Discutimos algumas das tendências regionais de desordem informacional e como a sociedade civil da região está testemunhando os mesmos tipos de desinformação sendo compartilhados em muitos países. As pesquisas conduzidas por Chequeado (Argentina), La Silla Vacía (Colômbia), Lupa (Brasil), Ocote (Guatemala) e OjoPúblico (Peru), por exemplo, mostraram como  grupos estão se organizando para espalhar falsidades sobre questões relacionadas a gênero na América Latina. O recente projeto investigativo Mercenarios Digitales, liderado por uma aliança de mídia transfronteiriça e colaborativa, reuniu evidências sobre o impacto de uma rede internacional de agentes de desinformação que operam na região. 

Nesse contexto, participantes da chamada compartilharam que é fundamental promover mais espaços multinacionais onde as organizações da sociedade civil, jornalistas e defensores de direitos humanos possam trabalhar de forma articulada para construir um ecossistema de informação mais saudável. Ao mesmo tempo, participantes também falaram sobre a importância de se ter alianças regionais que lhes permitam prever os tipos de desinformação e ataques que estão surgindo no continente.

Participe de nossa próxima chamada da comunitária!

À medida que avançamos neste projeto plurianual para contribuir com um ecossistema de informações mais saudável, nossa equipe está maravilhada com o incrível trabalho realizado por jornalistas, comunicadores, sociedade civil, organizadores comunitários e ativistas que estão descobrindo maneiras criativas de garantir que informações valiosas cheguem às pessoas em suas comunidades.

Nossa pesquisa para este projeto está apenas começando e estamos ansiosas para continuar trabalhando com muitos de vocês à medida que desenvolvemos este trabalho. Nossa próxima chamada comunitária ocorrerá em 23 de novembro, às 9h na Cidade do México, 10h em Bogotá e 12h em São Paulo. (Para essa chamada, o principal idioma de comunicação será o espanhol!)


Continuaremos a falar sobre o que é necessário para um ecossistema de informações mais forte e saudável, desta vez com foco em questões como: O que é necessário para reconstruir a confiança e promover um senso de comunidade? E como podemos construir um ecossistema de informações menos fragmentado e mais voltado para a comunidade em nossa região? Se você faz parte de uma organização coletiva ou da sociedade civil que trabalha para fornecer informações cruciais e/ou combater a desinformação em suas comunidades, trabalha com jornalismo local ou comunicações populares ou está criando iniciativas de informações voltadas para a comunidade, junte-se a nós!

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