Para algumas comunidades na América Latina, o ecossistema informacional sempre foi hostil   

Barbara Paes

Desde novembro de 2023, estamos realizando uma pesquisa sobre o fortalecimento dos ecossistemas de informação na América Latina e no Caribe. Nesse processo, algo que foi compartilhado muitas vezes por profissionais de toda a região é a noção de que os ecossistemas de informação sempre foram prejudiciais a determinadas comunidades e, consequentemente, que os esforços para fortalecê-los precisam considerar essa realidade.

Neste projeto, estamos empregando uma abordagem de ecossistema, que tem sido usada por muitos para transmitir a interconexão das diferentes partes do ecossistema de informações e para incentivar intervenções mais holísticas e estratégicas

À medida que usamos essa abordagem para descrever as formas complexas como as informações são produzidas, compartilhadas e disseminadas e como isso afeta diferentes atores, as pessoas  especialistas com quem engajamos em entrevistas e chamadas comunitárias  nos lembram constantemente de que os ecossistemas de informação na região são “desequilibrados”, que eles têm sido assim há algum tempo e que isso não ocorre apenas em relação às tecnologias digitais. 

À medida que avançamos em nossa pesquisa, pensamos em compartilhar algumas de nossas reflexões sobre essa questão neste texto. Se quiser saber mais, fique de olho em nosso blog para acessar o  relatório completo da pesquisa dentro de alguns meses! 

Não se trata (apenas) de tecnologia: ecossistemas de informação em desequilíbrio 

Em nossas entrevistas com jornalistas, comunicadores e ativistas, muitos apontaram que a natureza desequilibrada dos ecossistemas de informação na América Latina e no Caribe sempre foi a norma, com essa “desarmonia” não sendo nova e nem exclusivamente ligada às tecnologias da informação. 

Embora as tecnologias digitais tenham, sem dúvida, um papel a desempenhar no estado atual dos ecossistemas de informação na América Latina e no Caribe, profissionais com quem conversamos destacaram como, para muitas pessoas na região, especialmente aquelas que fazem parte de grupos historicamente oprimidos e marginalizados, o ecossistema de informação sempre foi hostil. 

Por exemplo, ao falar sobre desinformação no Brasil, a pesquisadora e comunicadora Catarina De Angola explica que, em sua opinião, esse não é um fenômeno novo, mas sim “a história oficial [do país]“, descrevendo como a mídia e a academia sempre construíram e disseminaram histórias que “desumanizam as existências não brancas e transgêneras”. 

Um padrão semelhante pode ser identificado em toda a região, onde, em muitos países, as comunidades indígenas e afrolatinas lutaram para preservar suas memórias e combater o estigma e a exclusão alimentados por estereótipos e tropos racistas perpetuados nos ecossistemas de informação. Por exemplo, uma análise de artigos jornalísticos na Argentina mostra que a cobertura da mídia no país contribuiu para o reforço de estereótipos e preconceitos sobre os povos indígenas; no Brasil, pesquisadores têm descrito como pessoas negras ainda estão sub-representados na grande mídia e que isso reforça estereótipos raciais; e na Colômbia especialistas também apontam que o racismo na cobertura midiática persiste.  

A natureza nociva dos ecossistemas de informação também significa que as pessoas de grupos historicamente oprimidos enfrentaram criminalização e censura e tiveram oportunidades limitadas de serem produtores de informações que são amplamente divulgadas. No Brasil, por exemplo, onde 54% da população se identifica como afro-brasileira, em 2015 apenas 22% dos jornalistas eram afrodescendentes. No México, uma pesquisa com jornalistas do país mostrou que apenas 3% dos participantes se identificavam como indígenas, embora pouco mais de 19% da população do país seja indígena. Na Colômbia, organizações da sociedade civil têm pedido  uma maior participação de afrocolombianos na mídia. 

Pessoas que trabalham como jornalistas ou comunicadoras, ou que têm voz pública, frequentemente enfrentam violência e ameaças, o que pode ser ainda pior para determinados grupos, como mulheres jornalistas em geral, comunicadores e ativistas LGBTQ+, mulheres jornalistas indígenas, mulheres jornalistas negras, para citar alguns.

Os desafios também persistem quando estamos falando de acesso à informação. Em nossa pesquisa, o fato de que muitas pessoas em toda a região enfrentam obstáculos significativos para exercer seu direito à informação surgiu como outra maneira pela qual os ecossistemas de informação na América Latina e no Caribe são desequilibrados. Em outras palavras, a existência de “desertos de informação” em toda a região e a dificuldade que as pessoas enfrentam para acessar informações foram descritas como elementos de ecossistemas de informação insalubres na região.

Quando falamos sobre o estado do ecossistema de informações com profissionais que participaram da nossa pesquisa, a maioria é  rápida em apontar que este ecossistema tem sido historicamente repleto de machismo, misoginia, racismo, classismo e capacitismo e que, como resultado, alguns grupos tiveram suas histórias apagadas, percepções racistas sobre sua existência e seus povos perpetuadas, o acesso à informação negado e suas vozes silenciadas. Nossas entrevistas e trocas de experiências ao londo da pesquisa destacaram que, para reparar o ecossistema de informações, essas questões estruturais subjacentes devem ser levadas em consideração. 

Então, o que isso significa para iniciativas que visam fortalecer o ecossistema informacional? 

Com tudo isso em mente, ao pensar em criar um ecossistema de informações mais saudável e mais forte, duas questões cruciais surgiram em nossa pesquisa: quais são as necessidades informacionais que precisam ser priorizadas? E que tipos de abordagens precisam ser fortalecidas? 

Nesse sentido, uma ideia recorrente que observamos em nossa pesquisa é a noção de que os ecossistemas de informações devem ser “restaurados” do ponto de vista dos cidadãos. Para muitos profissionais e especialistas com quem estamos conversando, a chave para ter um ecossistema informacional próspero, mais saudável e mais robusto está em garantir que ele atenda efetivamente às necessidades informacionais mais imediatas das pessoas, especialmente daquelas que foram historicamente oprimidas e marginalizadas.

Profissionais e pesquisadores indicaram que alguns caminhos devem ser seguidos para que a visão de um ecossistema informacional mais forte se concretize. Isso inclui a ideia de que um ecossistema informacional saudável e robusto precisa de uma diversidade de atores coexistindo. 

Várias pessoas entrevistadas falaram sobre como o financiamento e os recursos precisam ser disponibilizados para um número maior de organizações baseadas em várias regiões geográficas, de diferentes origens e que desempenham diferentes funções no ecossistema de informações. Uma especialista que trabalha na América Central, por exemplo, falou sobre como os financiadores precisam “lidar com vários lados do problema” para realmente promover a saúde do ecossistema informacional, apoiando vários atores que estão trabalhando por um ecossistema mais forte com diferentes estratégias e de diferentes pontos de vista. Em nossa conversa, foi defendida a ideia de que, ao não integrar determinadas vozes, como “jornalistas comunitários” e “vozes que não são da classe média”, o ecossistema de informações está perdendo.

Em nossas entrevistas para este projeto, também houve um apelo claro por mais apoio a iniciativas locais e voltadas para a comunidade que atendam às necessidades de informação das pessoas e as ajudem a recuperar um senso de comunidade e pertencimento. Pessoas entrevistadas falam especificamente sobre como as pessoas da região são afetadas por “desertos de informação” e sobre como é necessário que haja mais informações disponíveis “em um nível micro” – informações sobre o que está acontecendo em suas cidades e bairros e informações sobre como exercer direitos humanos básicos, como, por exemplo, como ter acesso a serviços de saúde em sua cidade ou às últimas mudanças no sistema educacional local. 

Nesse sentido, participantes da pesquisa também apontaram que é preciso haver mais financiamento e apoio disponíveis para atores das comunidades que sofrem o impacto da natureza desequilibrada dos ecossistemas informacionais na América Latina e no Caribe. Esses atores geralmente estão mais bem equipados para entender as necessidades de informação das comunidades e para identificar e implementar estratégias eficazes para melhorar o ecossistema de informações local e, ao mesmo tempo, essas pessoas e instituições geralmente enfrentam dificuldades para ter acesso a financiamento e recursos, devido a uma série de problemas – desde a falta de conexões e conhecimento do cenário de financiamento até obstáculos burocráticos. 

Crucialmente, participantes de nossa pesquisa fizeram questão de destacar como a proteção e a segurança de comunicadores e jornalistas populares precisa ser priorizada, especialmente a das mulheres e das pessoas que cobrem meio ambiente e clima. Enquanto lutam para investigar, reportar e informar, esses grupos são alvo de ameaças e ataques, tanto à sua integridade física quanto digital, e precisam de apoio para se manterem seguros se quisermos ecossistemas de informações melhores. 

Nos próximos meses, nossa equipe seguirá trabalhando nesta pesquisa e explorará as diversas estratégias que podem ser usadas para apoiar a visão de um ecossistema de informações saudável e robusto na América Latina e no Caribe. Planejamos compartilhar um relatório final das descobertas até junho. Enquanto isso, você pode saber mais sobre esse projeto nos links abaixo: 

E caso sua organização esteja interessada em obter suporte técnico e de dados gratuito de nossa equipe, não deixe de entrar em contato